J. BERNARDES JÚNIOR
Jornalista, ensaísta e poeta.
Foi tipógrafo e proprietário de tipografia. Falecido.
Publicou: “A Política dos Campos”. Imprensa Oficial, Maceió, 1950.
AVELAR, Romeu de. Coletânea de poetas alagoanos. Rio de Janeiro: Edições Minerva, 1959. 286 p. ilus. 15,5x23 cm. Exemplar encadernado. Bibl. Antonio Miranda
CALABAR
I
—Fale, Calabar! Conte sua história.
Por que você sofreu morte tão vil?
Por que se duvida de sua glória?
—“Lutei com portugueses. Mas, hostil
Tornei-me a eles para dar vitórias
A quem melhor servisse ao Brasil.
Passei-me para as forças holandesas
E, por isso, fui morto e esquartejado”.
—Calabar, o se sonho de grandezas
Para o Brasil, foi sonho mal sonhado.
II
Por que pensou que os batavos podiam
Dar melhores destinos à sua terra,
Se para aqui as ambições traziam?
Nassau chegou logo depois que a guerra,
Em que tantos valores se perdiam,
Dera-lhe a morte que constrange e aterra.
Da obra de Nassau, que é formidanda,
Você não pode ver nem o perfil...
—“Se os batavos fizeram a Holanda,
Muito melhor fariam o Brasil!”
III
“Nassau chegou depois de minha morte.
Mas de provas que não sonhei em vão
Com o progresso a começar no norte.
Deu novas normas para a exploração
Destas terras, trazendo uma coorte
De construtores de qualquer nação.
O São Francisco foi por ele olhado
Como caminho líquido vital.
E o vale que fecunda, neste Estado,
Transformou num empório colossal.
IV
“Diques aqui não eram necessários
Para se conquistar terras ao mar,
Como nos Países Baixo tão precários
Da riqueza que aqui anda a florar
De modos deslumbrantes e assaz vários
Que ainda não podemos estimar.
Quem formou as comportas holandesas
Indiscutivelmente aqui daria
Ás nossas cachoeiras as represas
Para ganho da hidráulica energia.
V
“A colonização dos portugueses,
Conforme vi, jamais nos levaria
Ao que a América deu a de escoceses.
Dar-nos-ia, certamente, eu bem previa
A dos laboriosos holandeses,
Pouco envolta no véu da fantasia.
Desdenhei por amor da liberdade
Que a Holanda assegurava aos brasileiros.
Posições da mais alta autoridade
Entre os escravocratas guerrilheiros.
VI
“Portugal praticou o horrível erro
De mandar para aqui a sua escória,
Dando a esta terra o cunho de desterro.
Quem eram aqueles tipos? Di-lo a história:
Salsugem, escumilha, lixo, aterro...
À glória de Cabral davam vanglória.
Vinham escravizar o abencerragem
E com negras crescer seus cabeçaiss:
Com seu sangue aumentavam a paisagem
Da escravidão. Que desumanos país!”
VII
—Aquilo era o começo, Calabar.
Os começos são sempre embaraçosos.
Você fez mal em se precipitar.
—“Protesto! Assisti atos vergonhosos.
Eu não podia deixar de me danar,
Vendo os crimes daqueles criminosos!”
—Acalme-se, meu caro Calabar!
Quanto tempo passou depois daquilo?
Vieram safardanas nos roubar.
Mas também veio gente de alto estilo.
VIII
—“De quem era o Brasil? De Portugal?
Não! Esse era incapaz de desfrutar
As maravilhas do erro de Cabral.
Os lusos, sob jugo tutelar
Da Hespanha, não tinham ação real
Sobre o país que estava a despertar.
O Brasil era meu. Era da raça
Que em mim com tanto entono transparece.
Ninguém podei usá-lo por trapaça.
Somente eu podia dá-lo a quem quisesse!”
IX
—Você queria tirar aos portugueses
O Brasil, com enorme crueldade,
Para dá-lo de mimo aos holandês?
Qual a sua noção de liberdade?
Você nos faz penar, algumas vezes,
Que não andava em plena sanidade...
—“Mais uma vez, protesto! Eu não daria,
Assim, aos batavos o meu país.
Com que facilidade o tomaria,
Logo que o visse próspero e feliz?!
X
“Tudo perdi! Perdi: até a vida,
Naquela sublimada aspiração
Do progresso, apagada, fementida.
Sofri a mais infame execução,
Perseguiram minha mãe querida.
E meu filho sofre execração.
Apontaram-me como renegado,
Como o mais miserável dos traidores.
Reneguei , sim! aquele negregado
Grupo de guerrilheiros malfeitores!”
XI
—Calabar, meu heroico Calabar,
Concordo que foi grande a atrocidade
Daquela punição irregular!
Mas, você praticou muita maldade,
Fez coisas que nem devo relembrar,
Em nome do que chama liberdade.
Não lhe nego coragem nem bravura,
Muito menos um certo idealismo.
O seu “caso”, porém, se me afigura
Que foi um simples caso de egoísmo
XII
Egoísmo e despeito concentrados,
Agiram em você, meu Calabar,
E o levaram àqueles resultados.
Por favor, você queira me explicar,
Quantas vezes lhe foram sonegados
Os postos que deviam lhe tocar?
—“Nenhum! Tive os postos merecidos
Nas tropas de Matias de Albuquerque.
Meus propósitos são bem conhecidos.
Egoísmo e despeito? Ah, não me esterque!
XIII
—Cuidado com a língua, Calabar!
Ao réu, em julgamento, cabe ser
Sereno e comedido no falar.
Que assim não age, pode parecer
Que lhe falta a razão de pleitear
A justiça que deve merecer.
—“Quantos anos passei como traidor,
Depois de receber morte infernal?
Ninguém pode ter calma, meu senhor,
Se lhe atribuem falta de ideal!”
XIV
Muito bem, Calabar! Contudo penso
Que você se enganou. Os portugueses
Dedicam ao Brasil amor imenso.
Alguns não eram bons. Entre holandeses,
A quem você queimou o seu incenso,
Também havia péssimos fregueses...
Eu lhe absolvo. Julgo que você,
Apesar de seus erros inclemente,
Não foi menor, muito menos do que
O Zumbi, Frei Caneca e Tiradentes.
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Página publicada em junho de 2021
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